Homem e Natureza
Homem e natureza
Se contarmos desde quando o ser humano vive como sociedade, é, há pouquíssimo tempo, que se deu a separação entre o homem e a natureza.
E essa distância vem crescendo assustadoramente.
Antes da Revolução Industrial, as pessoas viviam nos campos, faziam os objetos com as próprias mãos. De repente, homens, mulheres e crianças foram obrigados a trabalhar nas fábricas (o conceito ‘criança’ sequer existia). A exploração era nítida, mas foi o único meio de sobrevivência naquele momento do capitalismo.
A partir de então, os recursos naturais passaram a ser usados sem limite, como se não fossem ficar escassos. O combustível das indústrias era o carvão, por exemplo.
Surgiu o plástico, material que demora mais de 400 anos para ser decomposto. Já pensou que todo plástico produzido desde sempre está no planeta? Reciclado ou não, ele continua por aí.
Deixamos de aprender com a natureza e passamos a aprender sobre a natureza.
Economia e ecologia possuem a mesma origem, ECO, que em grego significa casa (oikos). E as terminologias, nomia=gerir e logia=conhecer através do estudo, nomus e logos. Analisando as palavras, percebemos que os significados se conversam. Ecologia é para conhecer a casa e economia para administrá-la.
Então, por que separaram os dois? Desde sempre por causa do lucro, da ganância, frutos de um sistema capitalista. Pela ideia de que a raça humana é superior a todas as outras espécies e a raça branca superior às outras raças humanas. E, assim continuamos dividindo e separando o mundo entre minorias e maiorias e praticando a exploração e escravidão em diferentes setores.
Com a visão de que a natureza “nos dá o que precisamos”, a exploração acontece.
Homem cá e natureza lá. Essa ruptura não existe. Como aprendemos nos estudos de yoga, somos uma só consciência. Todo recurso natural tirado do meio ambiente deve ser feito com respeito aos ciclos e, somente se for realmente necessário. O que é necessidade, de fato? Os metais utilizados nos aparelhos celulares, por exemplo, contém desmatamento, destruição do solo, poluição de rios e exploração de pessoas. Será que precisamos mesmo de algo que traz tanto sofrimento?
Tudo acontece sob a Ordem Divina, nada é posto fora do lugar. Tudo o que foi feito até hoje teve seu porquê, mas, agora que está nítido que esse sistema não funciona, é urgente buscar um novo sistema. Para que o homem se veja como parte da natureza, ele precisa, pelo menos, sentir a natureza. O primeiro passo para quem quer fazer parte do novo sistema, é ter contato com mato, com praia, com animais, é sentir o cheiro, olhar as nuvens, é saber que a natureza é viva e é inteligente. Sabemos que ela vive sem nós (como acontece em Chernobyl e como aconteceu nos primeiros meses de pandemia mundial), mas nós, caros leitores, não vivemos sem ela. O ar que respiramos e a água que bebemos não serão substituídos por nada à altura.
Quando entendemos que não existe o outro, que eu sou ele e ele sou eu, a compreensão muda. Lembramos de ahiṁsā, de satya, valores de não violência e verdade. Se não nos sentimos parte da natureza, a derrubada de uma árvore não causa nenhuma comoção. Mas, entendendo que uma árvore tem inteligência, que desde a semente ela já é enorme, auto suficiente, responsável pela fotossíntese, quando uma cai, caímos juntos.
Não podemos normalizar o que está acontecendo no Brasil e no mundo. Onde poluir rios por causa do garimpo é tratado com normalidade. Onde o ouro vale mais no pescoço da madame do que na sustentação do solo que pisamos.
Tudo isso está se tornando cafona, demodê e só os gananciosos não veem.
Casaco de pelo já foi moda, até que os grupos de proteção animal conseguiram parar os desfiles que os apresentavam. Uma raposa enrolada no pescoço é a coisa mais brega desse mundo, concorda? Sabemos que não acabou, que tem gente que faz questão de se vestir de chinchila, mas não é mais feito às claras, todos sabem que é anti ético.
O segundo passo é acreditar nos valores de uma sociedade ética, não aceitar cegamente (nada em yoga é crença), mas entender para que tal valor existe. E uma vez que você entende, a distância com a natureza diminui ou deixa de existir. A não violência, a verdade, o não roubar, não desejar além do que eu tenho (posso) ter, apegos e aversões e todos os outros valores que compõem a vida em conjunto.
Juntar ecologia e economia é o mais sábio. Não vamos deixar de usar tecnologia, isso não vai mais acontecer, mas podemos fazer com que isso não seja da forma como é hoje. O tal do Agro (que de pop não tem nada) é a prova de que produção em grande escala não resolve a fome de um país (quiçá do mundo). Na agricultura não há meio termo, ou usa-se maquinário de alta tecnologia ou é manual. A indústria não está preocupada em facilitar a vida para o pequeno produtor. Uma curiosidade: o Brasil é um grande produtor de soja e milho, majoritariamente transgênicos. Porém, a maior parte da produção vira ração para gado. Gado esse que chega no prato de uma parcela muito pequena da população. Ou seja, uma produção gigantesca para alimentar uma minoria. Menos de 2% é utilizado in natura para consumo humano. O que chega em nossos pratos é proveniente da agricultura familiar. Ou seja, o Agro serve para PIB e não para alimentação.
E, por ser rentável, o desmatamento do Cerrado e da Amazônia cresce em um ritmo alucinante. A área vira pasto ou plantio. E essa produção insana (280 milhões de toneladas) causa a falta de chuva, pois os rios flutuantes oriundos na Floresta amazônica, não encontram árvores no caminho para sequenciar seu trajeto até outras regiões do país.
Cada ser existe para uma finalidade. Cada animal, cada vegetal, cada microrganismo, cada invertebrado, todos os seres fazem parte de uma cadeia de codependência. A falta de um causa efeito em todo o sistema. Além das catástrofes naturais, o homem é o único que altera esse movimento.
“Em vez de causar menos danos ao meio ambiente, é necessário aprender como participar do meio ambiente…” (Bill Reed/2007:674)
Para que tudo isso faça sentido, uma pergunta é fundamental: qual o meu papel no planeta Terra? Em sua resposta, há espaço para todos os seres? Ou as suas decisões visam somente você e os seus?
Dharma é fazer o que tem que ser feito com ética, com coerência, com amor, com respeito. E não há dharma próprio que não insira o outro.
Empresas incluíram a palavra Sustentabilidade em suas histórias. Elas estão sendo mesmo sustentáveis? Será que pode se considerar sustentável quando se explora funcionários com jornadas de 10, 12 horas diárias e/ou quando não abrem espaço para gêneros diversos em suas vagas? Plantar mil árvores substitui a destruição que tal empresa causa em seus diversos setores?
Com o aumento de veganos no mundo, o greenwashing cresceu junto. Lugares que vendem carne animal, se especializam em carne de plantas. O plant based entrou para o mundo do negócio. O sistema engole tudo rapidamente, não perde tempo.
Cabe a nós termos discernimento e força para lutar contra esses gigantes que lucram com as ideologias.
É, no mínimo interessante (para não dizer trágico), ver um alimento natural sendo vendido por um preço maior do que o industrializado. Já vi mais de uma vez, crianças com menos de 1 ano de idade comendo salgadinhos de pacote às 8h da manhã. Uma fruta não era opção, e pode ter vários motivos: falta de acesso, preço, falta de conhecimento sobre alimentação. Muitas vezes, matar a fome é prioridade. E a fome em nosso país existe, só não enxerga quem não quer, quem acha que passa fome quem não se esforça. Um país onde mais da metade da população convive com a insegurança alimentar em algum nível e mais de 19 milhões de pessoas passam fome (dados do site do Senado). Os erros que nos fizeram chegar nesse número dizem respeito a vários setores: saúde pública, educação/escola, políticas sociais e outros.
A ideia de que alimentação saudável é “coisa de gente rica” está mudando. Muitas pessoas estão levando esse assunto para lugares distantes, para comunidades e ensinando que é possível ter uma hortinha comunitária, que é possível melhorar a alimentação sem gastar horrores. Vejo o novo sistema acontecendo nesses espaços de colaboração.
Já fui chamada de progressista, de sonhadora, de hippie, e de tantos outros nomes que, para mim, são só elogios. Porém, continuo acreditando, tendo esperança. Esperança de esperançar e não esperar.
A separação criada entre homem e natureza pode ser extinta. Não será em uma década, bem porque não chegamos a isso em somente um século. Mas, não podemos deixar de acreditar e fazer, cada um, a sua parte. Se eu me conecto com o todo, se me vejo parte do todo, posso ensinar através do meu exemplo. E logo uma comunidade será criada. E outras comunidades, em outras partes do globo, serão criadas. E, um dia, serão interligadas, sobrepondo a visão existente hoje. Só assim o sistema poderá ser alterado, um novo sistema para a vida que une, que acolhe, que extingue a separação entre todos os seres.
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
(Eduardo Galeano - El derecho al delirio)
Este assunto é imenso, com muitas ramificações, como consumo consciente e sustentabilidade.
Se algum ponto te trouxe uma reflexão, me conta aqui, vou adorar conversar com você.
Devemos viver com simplicidade para que o outro possa apenas viver. (Gandhi)
Solo, Ser, Sociedade - Satish Kumar
Simplicidade Elegante - Satish Kumar
O mundo mais bonito que meu coração sabe ser possível - Charles Eisenstein
Design de Culturas Regenerativas - Daniel Christian Wahl
O negócio é ser pequeno - E.F. Schumacher
Colaboradora: Marcela Valle
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